Chuva

A esta distância,
Soube da palavra chuva.
Substância informe
Proveniente de cima
- Um espaço chamado céu.

Pois, sem saber o que é,
O meu corpo, as minhas entranhas,
Todo este pó galáctico pedem-me
Chuva, chuva e lembranças dela
- As colheitas, as cheias, os rios.
Coisas de que desconheço o sentido.

A esta distância,
Não me prometem horizontes
As gerações anteriores.
No escuro universo,
Não há cimo nem céu, nem memória,

Mas algumas palavras permanecem
com sentido incerto
E as entranhas dos corpos fartos de distância
Pedem chuva
E céu e rios e cheias

Humanização

Havíamos esquecido o piloto automático da nave

Só ele sabia calcular as coordenadas da nossa viagem.
Na sétima galáxia, apareceram nos ecrãs as palavras
"Vejo os vossos rostos todos os dias,
Nenhum planeta é tão bonito.

É um prazer ser os vossos Destinos"

Gravitações

Fomos apanhados por ondas gravitacionais

Momentaneamente os pensamentos cessaram 
A inércia tomou-nos e desprevenidos
Deixamos de falar

A nave tornou-se um acaso desgovernado 
Havia as coisas mas nenhuma palavra

As máquinas mas ausência de ordens
 
Vimos as imagens gravadas pelas câmaras

Silêncios 
 

Éramos nós

Fatalidade

Comecei a ter medo a partir do sexto planeta
Dos textos grafados no livro da memória
Nenhum falava do esquecimento

Por isso renasceram as castas
Dentro da nave
Da natividade adquiria-se o poder

Uma porção da tripulação 
Começava a falar de conquistas
Os guardiões dos textos temiam

O sétimo planeta seria uma lição

Prolegómenos

Quando os motores se desligaram

Nenhum ser vivo permanecia dentro da nave
Informadores extraplanetários
Tinham profetizado a chegada
E escrito textos sagrados

"Em uma nau sofrida,
Projetada por ciclos perturbados,
A verdade será alcançada.
Do negro espaço uma resposta."

Ensurdecedoras portas deslizaram
Colaram-se olhos no escuro interior
E os escribas grafaram em "O Livro dos
Sintagmas"
"Pó e silêncio é a lei do vasto Universo"

O Dom

Por todos os meios,
Evitei deixar o planeta
 
Quis alterar os sentidos,
Perturbar a ordem das palavras dos profetas
 
Mas, à minha volta,
O mundo colapsava, os homens matavam-se

E as metáforas

Voltaram a fazer sentido:

Serás fruto das estrelas
E tu és a luz destes olhos